sábado, julho 01, 2006

Os dias de hoje

Um dia Luís Vaz de Camões escreveu num dos seus sonetos: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, / Muda-se o ser, muda-se a confiança / Todo o mundo é composto de mudança, / Tomando sempre novas qualidades.
Permito-me a dizer que estas palavras sábias me soam melhor que nunca. A humanidade cresce a olhos vistos, a tecnologia apodera-se das nossas casas aos poucos sem darmos conta que a evolução está ali à nossa frente, os arranha céus trepam cada vez mais alto nas grandes cidades, as comunicações são cada vez melhores e mais velozes, podemos até, com um simples computador de trazer por casa, falar, ouvir e ver em tempo real, alguém que está nesse preciso momento num ponto do planeta bem distante do nosso, e melhor, sem termos que pagar grandes quantias monetárias para o fazer. É a tecnologia própria destes tempos que o permite. Tudo o que nos envolve está a mudar, a crescer, a evoluir.
Tudo é feito em nosso proveito, se bem que o que é proveitoso para uns pode ser o prejuízo de outros. Falo das armas. Enquanto uns constroem armas cada vez mais sofisticadas e potencialmente letais e transformam isso num negócio legal e milionário, outros sentem o seu poder letal da pior maneira. Mas tudo é criado em prol do homem. O facto de sermos serres dotados de inteligência assim o permitiu. A nossa vida foi ganhando qualidade ao longo dos tempos e hoje usufruímos de criações materiais por nós elaboradas que nos dão um conforto excepcional. Eu sou de uma geração recente. Nunca soube o que é viver sem tecnologia, seja a televisão passando pelo telefone, até ao vasto leque de máquinas relativamente recentes que estão ao nosso dispor em qualquer hospital, nunca soube o que é ter que caçar, cultivar ou pescar para sobreviver, felizmente nunca precisei repartir um pedaço de pão pelos meus irmãos. É isto que a vida moderna, onde se trabalharmos e nos inserirmos dignamente numa sociedade, nos proporciona; conforto, bem-estar, qualidade de vida… Mas há algo que me escapa.
Olho para a rua cheia de gente que passa para ir às compras, que vem do trabalho ou que simplesmente caminha e vejo um mundo civilizado, moderno, progressista, bonito, a minha memória é activada e recordo-me de acontecimentos que me fazem pensar que tudo não passa de fachada, uma fachada que esconde actos que nos transportam, a nós, seres humanos dotados de inteligência a um passado que desconheço. Recordo-me de notícias que vejo todos os dias, precisamente desde um dia em que, ainda em tenra idade, a minha memória foi capaz de armazenar e penso em quantas vezes fiquei chocado ao ver o que o ser humano é capaz de fazer. Estamos em 2006. Ano em que já se pensa colocar chips electrónicos nas bolas de futebol para saber se estas entram na baliza ou não chegam a transpor a linha de golo, ano em que se fabrica e comercializa um automóvel que se estaciona sozinho, ano em que supostamente a evolução seria o centro das atenções e ainda há tanta boca que precisa de um simples pedaço de pão, há tanta criança a precisar de uma vacina que para mim foi, mal nasci, obrigatória, há mulheres provavelmente neste instante a serem mutiladas numa cultura qualquer por não serem “dignas”. E não é preciso olhar para muito longe. Há pais que maltratam, abusam sexualmente e matam como quem mata um insecto os filhos ainda crianças, mulheres são espancadas diariamente ou sempre que ao marido lhe correu mal o dia, há pessoas que matam indiscriminadamente por uns trocados que levamos no bolso. São declaradas guerras porque “se passa isto assim e assim”… Deixam-se morrer crianças porque um assistente social pensou que estava tudo bem. Será isto um sinal dos tempos? Não me parece. Afinal parece que tudo evoluiu, cresceu e progrediu. Tudo, menos o ser humano que vai contra a sua própria natureza a troco de ninharias, a troco de nada. A nossa mente é um labirinto interminável e difícil de percorrer. Quanto mais descobrimos sobre nós mais nos apercebemos que não nos conhecemos. Tanta tecnologia, inovação tanta coisa descoberta e nada foi feito para mudar a mentalidade do ser humano. Para quê ter Internet se não podemos salvar uma criança que morre de fome num qualquer ponto do planeta neste preciso momento.
Pode ser que um dia a tecnologia que tanto prezamos nos seja útil para nos tornarmos dignos de existir.
“Continuamente vemos novidades, /Diferentes em tudo na esperança; / Do mal ficam as mágoas na lembrança, / E do bem, se algum houve, as saudades.”